terça-feira, 17 de abril de 2007

“Você sabe, os micróbios são seres terríveis”


Já que o pessoal anda gostando de adaptar HQs para o cinema, alguém podia filmar o Brick Bradford.

Aqui na estante temos uma edição de 1984, da lendária EBAL – comemorativa de “50 Anos do Suplemento Juvenil” – da história Viagem ao Interior de uma Moeda, comprada numa noite fria de 1991, na banca da Rodoviária do Tietê. A história foi originalmente publicada em tiras de fevereiro de 1937 a janeiro de 1938.

Brick Bradford (William Ritt e Clarence Gray, 1933) era um produto da chamada “era de ouro” dos quadrinhos americanos, e, como tal, tinha roteiros mirabolantes e desenhos excelentes. Essa parte do roteiro mirabolante que daria um filme bacana.

Senão vejamos: nessa história da viagem à moeda, Brick é convidado pelo Dr. Kalla Kopak – eles eram muito bons em criar nomes – para uma expedição a uma moedinha de 10 cents, em uma nave-esfera a ser reduzida para as dimensões de um átomo graças ao Kopakium, elemento químico descoberto pelo dr. Kopak. Os delírios pseudo-científicos de William Ritt são avôs das viagens de Grant Morrison no All Star Superman. Divertidíssmo.

Belos diálogos


Uma junta de cientistas testemunha a partida da dupla e em seguida fecha toda a sala onde está a moeda para evitar acidentes – tipo uma faxineira desavisada que resolva levar a moeda embora. A expedição vai em frente, primeiro parando no mundo dos micróbios (esses “seres terríveis”, como adverte o dr. Kopak) – uma enorme paisagem de cobre povoada por seres mistos de polvo, lagarta e lesma. Depois disso, a nave é mais reduzida ainda e chega ao “universo dos átomos”, onde o dr., Brick e mais dois clandestinos – Beryl, namorada de Brick, e um espião de uma “nação inimiga” – visitam uma série de planetas estranhos, com dinossauros, ruínas inexplicáveis, tempestades perpétuas, e finalmente um com algumas civilizações, onde Brick inclusive dá uma mão em uma guerra. Meses depois da partida, o dr Kopak descobre MAIS um elemento químico desconhecido, que permite que a nave volte ao tamanho normal e eles voltem para casa. Quando eles chegam de volta à sala de onde haviam partido, os cientistas ainda estão fechando as janelas e portas. Apenas alguns instantes haviam se passado no mundo “real”!

O micróbio em pessoa.


O mais legal do Brick Bradford era a inventividade dos roteiros de William Ritt. Os enredos eram aquela coisa das tiras da “era de ouro”, um encadeamento infinito de adversidades; mas a criatividade de Ritt para criar essas adversidades – e de Gray para desenhá-las – é que faziam a diversão da tira. O inesperado dos desenvolvimentos da história e do que viria a seguir em termos de cenário, personagens e mirabolâncias científicas era toda a graça da coisa.

Cenários mirabolantes e seres bizarros.


Então, um filme baseado no Brick Bradford, para manter a essência da tira, teria que usá-la como ponto de partida mas depois viajar no desenvolvimento da história, no visual dos locais e seres, no design das naves e equipamentos, deixar a criatividade rolar. O que é o contrário das adaptações de HQ na moda agora, onde o diretor usa o gibi como storyboard e passa tudo para a tela, mas estranhamente perde a essência da coisa.

Quer dizer, se é para ter um filme igualzinho ao gibi, então para que fazer o filme?


Haviam HQs no mundo dos átomos.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Tem início



As revistas costumavam trazer em seu expediente a data exata – dia, mês e ano – em que foram lançadas. A da imagem acima foi lançada em 27/03/1987, e foi o primeiro gibi que eu comprei com a intenção de guardar – ou seja, não deixar minha mãe jogar fora. Foi o primeiro item da minha coleção, a porta de entrada nos quadrinhos.

Como nessa época as revistas demoravam um tempo para chegar nas bancas do sertão onde eu morava, devo tê-la adquirido em algum ponto de Abril de 1987, portanto este mês completo 20 anos colecionando HQs. Santa efemeridade, Batman. Em homenagem a este incontornável sinal de que estou ficando velho, inauguro este humilde blog, com a pretenciosa intenção de publicar relatos semanais de expedições à estante onde guardo estas duas décadas de gibis.

E a primeira incursão na estante nos leva a este gibi, já com a capa destacada e rasgada, que trazia o primeiro capítulo da Crise nas Infinitas Terras, o maior desfile de gente fantasiada que já se teve notícia no ramo especialmente cheio de gente fantasiada que é o dos super-heróis. A Crise pretendia organizar os personagens e linhas narrativas da DC, a editora americana detentora do Super-homem, Batman e mais alguns milhares de personagens, e teve bastante destaque na mídia da época por matar alguns personagens importantes e mudar bastante o conceito de outros, o que impulsionou as vendas dos gibis a níveis estratosféricos e gerou uma moda de “Crises” que a cada dois anos mudavam tudo para deixar tudo como estava – alem de serem historinhas bem ruinzinhas. Mas esta Crise original era bacana, tinha um clima de fim-do-mundo bem angustiante, principalmente para um cara de 11, 12 anos. Foi publicada lá nos EUA em 85 e chegou aqui dois anos depois. Na mesma edição vinha uma história do Batman de 1976 com desenhos do grande Neal Adams, e vai saber porque colocaram ela ali, não tinha nada a ver com o resto da revista; vinha também uma história de uma certa Corporação Infinito, grupelho de super-heróis bem difícil de explicar quem eram, pois faziam parte das complicadíssimas linhas narrativas de antes da Crise. A história só se destaca por ter sido desenhada por um ainda desconhecido Todd McFarlane, já demonstrando sua enorme picaretagem.

Nessa época – anos 80 – falava-se muito que as HQs estavam ficando “adultas”. Esta é uma questão que eu nunca vou abordar aqui, porque é uma falsa questão: os quadrinhos são um meio de expressão com o mesmo potencial de qualquer outro, embora mais subestimado. Talvez houvesse mais gente se dando conta desse potencial, mas ele sempre existiu.

Também se dizia muito que o valor das HQs seria, exclusivamente, servir de porta de entrada para a literatura "séria". E quando elogiavam um autor, comparavam-no com algum artista de outro meio – "as histórias do Will Eisner parecem contos do Tchekov" – como se uma HQ não tivesse valor por si mesma. Quando isso for uma via de mão dupla e houver gente dizendo, por exemplo, "esse escritor conta estórias como Will Eisner", então as HQs terão atingido o prestígio que sempre mereceram. É bem verdade que eu li um monte de gente por causa dos quadrinhos, de Bradbury a Bakunin, de Tchekov e Maupassant a Borges e as 1001 Noites, mas é triste que outras artes não tragam leitores para conhecer artistas fabulosos que por enquanto são privilégio dos leitores de HQ: Pratt, Oesterheld, Breccia, Crumb, Barks, Bros. Hernandez, Ellis, Moebius, Bilal, Alan Moore, Eisner, Frank Miller, Gaiman, Mckean, McKay.

Enfim, independente dos quadrinhos serem “adultos”ou não, foi lendo gibis que me tornei adulto, e esses 20 anos teriam sido muito mais pobres se não fosse pela colorida companhia dos gibis. Este blog é uma humilde homenagem a esta arte tão especial quanto subestimada.

Agora vamos ver até onde eu cumpro o “semanais” que prometi ali em cima :)